JORNAL NACIONAL - 26/10
Guerra de liminares na saúde
Decisões judiciais obrigam o governo a fornecer medicamentos que não estão incluídos na lista dos excepcionais, aqueles mais caros, distribuídos de graça para tratamento de doenças graves. O Ministério da Saúde está em guerra contra liminares que obrigam o governo a fornecer medicamentos que não estão incluídos na lista dos excepcionais, aqueles mais caros, distribuídos de graça para tratamento de doenças graves. Mas os pacientes alegam que entrar na Justiça é a única forma de ter acesso a drogas mais modernas receitadas pelos médicos. Veja na reportagem de Graziela Azevedo. Há quase dez anos, Dona Antonieta Cotta luta contra o câncer que hora dá descanso, hora reaparece. “Quero ver minhas duas filhas casando e meus netos”. A luta para continuar viva foi parar na Justiça. Só com a sentença na mão ela conseguiu o remédio receitado pelo médico para evitar que o tumor no pulmão aumente. O tratamento, com droga moderna e aprovada pela Anvisa, custa R$ 18 mil por mês, dinheiro que a dona de casa não tem. “É uma batalha muito desgastante, é o físico, o emocional”. O desafio é diário nos hospitais que tratam doenças graves, principalmente o câncer. As drogas estão se tornando mais eficientes e também mais caras. Mas a tabela com os valores que o SUS repassa para os hospitais para tratamento do câncer foi elaborada há nove anos e não acompanha os avanços da ciência. “De lá pra cá, muitos medicamentos novos surgiram. É incompatível o que a gente recebe do SUS em relação ao preço desses remédios”, afirma Marcelo Ferretti Fanelli, diretor do Hospital A.C. Camargo (SP). De um lado, pacientes em busca da cura ou de mais tempo e qualidade de vida. De outro, o orçamento público que é limitado e atender também a outros gastos com a saúde dos brasileiros. A dificuldade em equilibrar essa conta está se tornando cada vez mais dramática. Só em São Paulo, nos últimos quatro anos, os pacientes cadastrados para receber os chamados medicamentos excepcionais passaram de 100 mil para 350 mil. É uma outra lista, remédios caros para doenças graves como Aids e hepatite C. A despesa fica ainda maior com as drogas fora das listas oficiais, que precisam ser fornecidas quando a Justiça manda. Há excessos como o de uma liminar que obriga o fornecimento de remédio contra impotência. A Secretaria Estadual da Saúde mostra outros pedidos que considera absurdos. Junto com remédios, há solicitações de xampu e alimentos, como requeijão cremoso. Mas a secretaria informa que a grande maioria das liminares e para drogas contra o câncer, que os planos de saúde se recusam a fornecer. “Hoje, estamos gastando perto de R$ 1 bilhão com remédios, sendo que R$ 300, R$ 350 milhões são com liminares. É muito dinheiro”, afirma Luiz Roberto Barradas Barata, secretário de Saúde de São Paulo. Especializado no assunto, o promotor de Justiça Vidal Serrano lembra que a pressão dos pacientes foi fundamental para a redução do preço do coquetel da Aids. Ele diz que parte da conta precisa ser cobrada dos planos de saúde e que os governos devem estar ao lado dos pacientes na luta por remédios mais baratos. “Tudo isso faz parte de uma obrigatória intervenção do Estado na área econômica. Quando o Estado não se comporta dessa maneira, evidentemente que ele enfrenta do outro lado da linha a pressão da sociedade pra obtenção do que é essencial pra preservação da vida das pessoas”. O Ministério da Saúde já gastou este ano mais de R$ 27 milhões com drogas exigidas por ações judiciais. Por isso, quer limitar o fornecimento aos remédios que estão na lista do SUS. “Dessa lista que, hoje em dia, tem mais de 200 apresentações, é uma lista que tem que ser respeitada. Não há possibilidade de o SUS arcar com as despesas de uma indústria que cada vez mais lança produtos, cada vez mais caros. Então, tem que ter uma regulação nisso”, declarou Reinaldo Guimarães, secretário do Ministério da Saúde. Hoje, 66 novas drogas estão sendo analisadas por uma comissão técnica para que o ministério decida se elas devem ou não entrar na lista do SUS. Para o Marcelo Ferretti Fanelli, diretor de um dos maiores centros de tratamento do câncer do país, é importante atualizar com mais freqüência as listas de medicamentos e procedimentos, porque remédio comprado em quantidade pelo poder público sai mais barato. Até lá, os médicos vivem um dilema: receitar o tratamento mais moderno ou o mais antigo e mais barato. “É muito difícil pros médicos ou pra qualquer pessoa agir como juiz nessa situação, saber se ele merece viver um mês a mais ou não. O direito à saúde, no final, pertence a todo mundo”.
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